Grau I - A Barreira da Compreensão

Compreender: abarcar em si mesmo; carregar em sua essência; incluir ou abranger-se; ampliar o seu desenvolvimento.

Esta é uma barreira que está em todos os exercícios de todos os Graus, é extremamente sutil fazendo com que sua existência seja notada quando o Magista ultrapassou alguns Graus, o que o faz retornar e revisar não apenas os exercícios básicos, mas principalmente o conteúdo de sua consciência. Esta barreira não necessariamente impede o desenvolvimento nos primeiros Graus, mas a cada exercício que ela é ignorada, se torna cada vez mais densa até ser impossível não a notar, até ser impossível avançar, pois determinados Graus requerem uma consciência firme e bem estabelecida, portanto este texto irá se ater aos ensinamentos dos exercícios. Porque os ensinamentos? pois bem... "eu vou te contar o segredo definitivo da magia: qualquer babaca pode fazê-la." Temos que nos ater ao desenvolvimento da consciência.

Grau I

OBSERVAR, CONCENTRAR E ESVAZIAR

A primeira coisa a ser dita sobre os exercícios mentais do Grau I é que todos os três são atos de desapego. Observar os próprios pensamentos é desapegar-se deles, concentrar por longos períodos é permitir que tudo aquilo requer nossa atenção, na verdade, parta. E esvaziar é literalmente esvaziar: de todas as opiniões, conhecimentos, experiências, sentimentos, desejos: o absoluto vácuo - em Kether não há livros, opiniões, formas ou experiências, apenas um vazio acolhedor.

reflexão, dificuldade para evoluir, caráter, barreira, dificuldade
Para conseguir observar os próprios pensamentos e quebrar o encanto que eles exercem sobre a nossa atenção, é necessário compreender que os pensamentos não são o pensador, ao conseguir observar os pensamentos por longos períodos isso se torna claro: eles vêm de algum lugar, alguns são gerados espontaneamente, outros não e cada tipo de pensamento vem de um lugar diferente. Alguns são puros e carregam um propósito que se absorvido ajuda no desenvolvimento da compreensão e do conhecimento, outros – a maioria – desejam atenção ou causar algum tipo de dor. Ao conseguir observá-los por no mínimo dez minutos você quebra boa parte do poder que os pensamentos exercem sobre você. Quando você percebe, naturalmente, que o ato de observar se tornou inerente a sua natureza você começa a observar a mente externa – o Todo é mental – os atos positivos e negativos das pessoas ao seu redor, e a partir disso  aprende também com os erros dos outros.

Concentração (concentrar a ação), esta é a principal habilidade da Magia Mental, sua energia está onde sua atenção está, experimente se concentrar profundamente na ponta do dedo indicador, olhe-o fixamente com todas as suas forças, a sensibilidade na ponta do dedo irá aumentar e você sentirá um pouco de formigamento. Ao pensar em dezenas de coisas por minuto e milhares por dia, perdemos muita energia mental. Nossa cabeça nunca está no crânio, e sim noutro lugar ou com outra pessoa. Uma das maiores compreensões deste exercício é a percepção do presente: você realmente enxerga as nuvens no céu? Você realmente está presente quando conversa com alguém? Este exercício, aos poucos, traz a consciência para a sua residência natural: o agora. O que desperta grandes quantidades de energia que outrora eram gastas com ilusões passadas ou futuras, a absorção do que é observado também aumenta gradativamente, porque agora, além de observar com desprendimento, você se concentra no objeto observado. Uma certa graça se desenvolve, uma alegria natural com uma enorme exatidão de atos.

Estar em vácuo mental é estar absolutamente ciente de si mesmo, isso pode soar confuso para aqueles que nunca estiverem neste estado, mas é a primeira compreensão deste estado. Um efeito interessante deste exerício é que se você estiver passando por alguma dor emocional e conseguir entrar em vácuo mental, a dor simplesmente some assim como as emoções que a geravam. Para atravessar o portal que leva ao vácuo mental é necessário se despir de tudo aquilo que você sente, acha que sabe ou tem certeza que sabe, no início a concentração é usada para adentrar neste estado, mas conforme o vácuo mental é estabelecido ocorre uma maciez cerebral, toda a tensão é liberada. E se na observação o aprendizado é que você não é o pensamento, na concentração o realinhamento da energia mental, no vácuo mental compreendemos que nossa natureza é o vazio germinador, a causa inicial de tudo o que pode vir a ser. Estar e dominar o vácuo mental é controlar as reações de nossas ações, sejam elas mentais ou físicas.

AUTOCONHECIMENTO OU INTROSPECÇÃO 

Não apenas olhar, mas reconhecer o abismo interior.

Os Outros por Neil Gaiman

“O tempo é fluído aqui,” disse o demônio. Ele sabia que era um demônio no momento em que o havia visto. Ele apenas sabia, do mesmo jeito que ele sabia que aquilo era o inferno. Não havia nenhuma outra coisa que cada um deles pudesse ser.
O salão era amplo, e o demônio esperava próximo de um braseiro fumegante bem ao fim. Havia uma variedade de objetos pendendo nas paredes de granito, objetos cuja inspeção mais detalhada não seria algo sábio, e tão pouco reconfortante. O teto era baixo, o chão, estranhamente irreal.

 “Aproxime-se”, disse o demônio, e ele o fez. O demônio era magro como uma vara e estava nú. Ele tinha muitas cicatrizes, parecia ter sido esfolado em algum momento num passado distante. Não tinha orelhas nem genitais. Os seus lábios eram finos e ascéticos, e os olhos eram olhos de demônio: tinham visto demais e ido muito longe, e frente ao seu olhar ele se sentiu menor que uma mosca.

“O que acontece agora?”, ele perguntou.

“Agora”, disse o demônio, numa voz sem nenhum pesar, nenhum deleite, apenas uma terrível e monótona resignação, “você será torturado”.

 “Por quanto tempo?”

Mas o demônio sacudiu a cabeça e não respondeu nada. Ele caminhou vagarosamente ao longo da parede, observando um e outro utensílio ali pendurados. Bem ao fim da parede, próximo a porta fechada, havia um açoite feito de arame entrelaçado. O demônio o pegou com sua mão de três dedos e andou de volta, carregando-o reverentemente. Ele posicionou as pontas do arame acima do braseiro, e as observou fixamente enquanto elas começavam a se aquecer.

“Isso é inumano”.

“Sim.”

As pontas do açoite brilhavam num laranja fosco.
Ao levantar o braço para a primeira arremetida, ele disse, “Mais adiante você se lembrará até deste momento com carinho”.

“Você é um mentiroso.”

 “Não”, disse o demônio. “A próxima parte,” ele explicou, um instante antes de baixar o açoite, “é pior”. Então as pontas do açoite se chocaram nas costas do homem com um estalido e um chiado, rasgando através das roupas caras, queimando, cortando e rasgando o que tocavam e não pela última vez naquele lugar, ele gritou.
Havia 211 instrumentos naquela parede e ele experimentaria cada um deles no seu próprio tempo. Quando, finalmente, a Filha do Lazarento, que ele acabou conhecendo intimamente, foi limpa e recolocada na parede na duodécima primeira posição, só então, através dos lábios rachados, ele cuspiu, “E agora?”

 “Agora,” disse o demônio, “a verdadeira dor começa.”

E começou.
Tudo o que ele havia feito, que teria sido melhor deixar por fazer. Toda mentira que ele contou – para si mesmo ou para os outros. Cada pequena dor e todas as grandes dores. Cada coisa foi puxada de dentro dele, detalhe por detalhe, centímetro a centímetro. O demônio o despiu da proteção trazida pelo esquecimento, despiu  tudo até chegar a verdade, e aquilo doeu mais do que qualquer outra coisa.

“Diga-me o que você pensou quando ela saiu porta afora,” disse o demônio

 “Eu pensei que o meu coração havia se partido.”

 “Não”, disse o demônio, sem ódio algum, “você não pensou isso”. Ele o olhava com olhos inexpressivos, e ele foi forçado a desviar a vista.

 “Eu pensei que ela nunca iria descobrir que eu estava dormindo com a irmã dela.”

O demônio desconstruiu a vida dele, cada momento, cada terrível instante. Durou cem anos, quem sabe, ou mil – eles tinham todo o tempo que existia, naquele salão cinzento – e próximo ao fim ele percebeu que o demônio estava certo. A tortura física tinha sido mais gentil.
Finalmente, havia terminado.
E uma vez que havia terminado, começou novamente. Havia um auto-conhecimento que ele não tivera da primeira vez que, de alguma forma, fazia tudo ainda pior.
Agora, enquanto ele falava, ele se odiava. Não havia mentiras nem evasivas, nenhum espaço para nada exceto a dor e a raiva.
Ele falou. Não chorava mais. E quando terminou, mil anos depois, ele rezou para que o demônio fosse à parede e trouxesse a faca de esfolamento, ou o sufocador, ou a morsa.

 “De novo”, disse o demônio.

Ele começou a gritar. Ele gritou por um longo tempo.

 “De novo”, disse o demônio, quando ele havia terminado, como se nada tivesse sido dito.

Era como descascar uma cebola. Dessa vez ele aprendeu sobre conseqüências. Ele aprendeu sobre o resultado das coisas que ele havia feito; coisas para as quais ele havia estado cego quando as fez; as maneiras que ele havia machucado o mundo;  o dano que ele havia feito a pessoas que ele não conhecia, ou que nunca havia visto, ou encontrado. Foi a lição mais difícil.

 “De novo”, disse o demônio, mil anos depois.

Ele se curvou ao chão, ao lado do braseiro, ninando-se gentilmente, os olhos fechados, e contou a estória da sua vida, revivendo-a enquanto a contava, do nascimento a morte, sem mudar nada, sem omitir nada, enfrentando tudo. Ele abriu seu coração.
Quando havia terminado, se sentou ali, os olhos fechados, esperando a voz dizer “De novo”, mas nada foi dito. Ele abriu seus olhos.
Vagarosamente ele se levantou. Estava só.
Do outro lado do salão havia uma porta, e ela se abriu enquanto ele olhava.
Um homem entrou através da porta. Havia terror na face do homem, arrogância e orgulho. O homem, que vestia roupas caras, deu muitos passos hesitantes na sala, e então parou.
Quando ele olhou para o homem, ele entendeu.

“O tempo é fluído aqui”, ele disse.

Coloque-se dentro de um triângulo, acenda velas para si mesmo e evoque seu próprio nome, pois somos todos demônios. Se você se enxerga como algum ser divino, retorne para o planeta Terra: Quantas mentiras contamos para os outros e para nós mesmos? Quão confortável é permanecer num relacionamento vazio simplesmente por temer destruir para reconstruir? De todas as palavras que você diz, quantas ferem os outros e quantas exprimem ódio e raiva? Quantas pessoas você manipulou? Quantas você teve que destruir? E o estranho é que tememos espíritos. 

O autoconhecimento é um processo doloroso, que isso fique bem claro, você não encontrará flores e um tapete vermelho indicando o Caminho, não há trilhas, apenas migalhas que não indicam direção alguma. Somente quando classificamos uma grande quantidade de aspectos positivos e negativos através da constante auto-observação é que o Caminho se torna mais claro, e as migalhas começam a adquirir a forma de setas. É precisar trazer a atenção que você irá chorar, irá desejar nunca ter conhecido seus erros e tudo aquilo que você reprimiu pensando que manteria alguma felicidade com a esperança de não ser superficial. E para reciclar e transmutar todo este lixo além da alimentação e respiração conscientes temos que agir em todas as áreas da vida. Destruir o que não imbui nenhum propósito, e fortificar o que é verdadeiro para a nossa experiência pessoal.

O CORPO MATERIAL

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Creio que para muitos praticantes esse pode ser facilmente o fator mais difícil da prática mágica e o mais fácil a ser negligenciado. No início, muitos praticantes têm a cabeça nas nuvens, sonham com poderes, evocações de reis elementais e viagens interestelares e esquecem completamente do corpo material – sem mencionar o plano físico. Num corpo não consciente e sem saúde, a mente não consegue se desenvolver. Sem um mínimo de alongamento diário o chi não flui e o desânimo e a falta de energia facilmente alcançam-nos. Sem higiene física – sem mencionar a mental - atraímos energias e até mesmo entidades negativas. No corpo físico se manifestam todas as ações dos outros corpos, por isso sua observação pode trazer grandes aprendizados. É necessário refletir também sobre o que comemos, não em termos de ser vegetariano ou não. Tudo o que comemos se torna nosso corpo, se você comer uma banana agora, daqui algumas horas essa banana será você, fará parte da sua corrente sanguínea, e se o corpo achar necessário começará a construir músculos, o cálcio será levado aos seus ossos e ano após ano, seus ossos se tornam completos pedaços de tudo o que você comeu, assim como seu cérebro, sua pele, seus olhos: seu corpo. Observe a carga energética de tudo o que você come, pois, esta energia alimentará seus átomos. Da próxima vez que colocar as mãos sobre a comida para encantá-la com algum aspecto positivo, tenha em mente tudo isso. Tudo que você come influenciará fortemente – não determinará – seus pensamentos, emoções e saúde física. Creio que não preciso mencionar mais nada sobre isso.

Como o texto ficou um pouco grande não irei comentar sobre as barreiras do Grau II nesta postagem, mas futuramente farei.

Bons treinos!
Lucas Augusto.

BIBLIOGRAFIA

GAIMAN, Neil: Coisas Frágeis. São Paulo: Conrad Brasil, 2010.

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